#5. A tentação : Jorge Luis Borges




a tentação

O general Quiroga vai a seu enterro;
Convida-o o mercenário Santo Pérez
E sobre Santo Pérez está Rosas,
A recôndita aranha de Palermo.
Rosas, a flor de bom covarde, sabe
Que não há entre os homens um sequer
Mais vulnerável e frágil que o valente.
Juan Facundo Quiroga é temerário
Até a insensatez. O fato pode
Merecer o exame de seu ódio.
Resolveu-se a matá-lo. Pensa e hesita.
Por fim, dá com a arma que buscava.
Será a sede e a fome de perigo.
Quiroga busca o Norte. O próprio Rosas
Lhe adverte, quase ao pé da carroça,

Que circulam rumores de que López
Premedita sua morte. Recomenda
Que não empreenda a ousada travessia
Sem uma escolta. Ele mesmo a oferece.
Facundo sorriu. Pois não carece
De ladeiros. Ele se basta. A rangente
Carroça deixa as vilas para trás.
Léguas de longa chuva a entorpecem,
Neblina e lodo e as águas transbordadas.
Por fim, avistam Córdoba. São vistos
Como se fossem seus fantasmas. Todos
Já os davam por mortos. Noites antes,
Córdoba inteira vira Santos Pérez
Distribuindo espadas. A partida
É de trinta cavaleiros da serra.
Nunca se urdiu um crime de maneira
Mais descarada, escreverá Sarmiento.
Juan Fecundo Quiroga não se altera.
Busca o norte. Em Sarmiento del Estero
Se entrega às cartas e a seu belo risco.
Entre o acaso e a aurora perde
Ou recebe centenas de onças de ouro.
Recrudescem os alarmes. Bruscamente
Decide regressar e dá a ordem.
Por esses descampados e esses montes
Retomam os caminhos do perigo.
Em um sítio chamado Ojo de Agua
O maestre de posta lhe revela
Que por ali já passou a partida
Encarregada de assassiná-lo
E que o espera em um lugar que nomeia.
Ninguém deve escapar. Esta é a ordem.
A determinação de Santos Pérez,
O capitão. Facundo não se arreda.
Está por nascer o homem que se atreva
A acabar com Quiroga, lhe responde.
Os outros ficam pálidos e calam.
Sobrevém a noite, em que somente
Dorme o fatal, o forte, que confia
Em seus outros obscuros deuses. Amanhece.
Não voltarão a ver outra manhã.
Por que concluir a história que já foi
Contada para sempre? A carroça
Toma o rumo de Barranca Yaco.




Livro: Poesia
Autor: Jorge Luis Borges
Capa comum: 648 páginas
Editora: Companhia das Letras; Edição: 1ª (13 de fevereiro de 2009)
Idioma: Português
Dimensões do produto: 21 x 13,6 x 3,8 cm
Disponível em https://amzn.to/2WzFEng


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