Publi #1: Cotidiano (Paulo Moura)

Cotidiano
Paulo Moura
Editora Viseu, 2018
46 páginas
★★★

          Paulo Moura nos presenteia com o seu primeiro livro: Cotidiano. Aqui temos 10 contos breves que retratam o amor e a paixão em suas diferentes facetas de forma crua e, por vezes, cruel.  As histórias revelam  relações tomadas por infidelidades, frustrações, desejos, vinganças e comodismo. 
        Os contos nos impressionam pelas desconstruções e rupturas das relações que tendemos a idealizar, dando um enfoque mais realista e com uma escrita sensível e sutil. 
       Algumas dessas histórias começam devagar e hesitante, tornando-se mais tensas no decorrer da leitura. As revelações são progressivas despertando, assim, a curiosidade do leitor em conhecer o final da história. 
          Vou deixar aqui o conto de abertura do livro para que vocês conheçam um pouco mais do trabalho e da escrita do Paulo Moura.

Janela quebrada

          Vejo-a deitada sobre a cama com lençóis desordenados. Seu corpo nu absorve toda pouca luz que transcende a janela quebrada. Seus olhos entorpecidos de uma noite suada e quente. Seus cabelos ainda úmidos de sua água salgada. Em sua boca resta uma mancha vermelha e apagada do que foi o rubro negro de um batom.
          Passeio pelo quarto com meus olhos e encontro os dela, belos tons de esmeraldas, e com eles, um sentimento de culpa que me afunda. Mas logo se vai quando a observo, novamente, nua. Sua pele branca faz contraste com os lençóis marrons ressaltando-as. Desejo tocá-las, mas apenas a observo. Decalco suas curvas e entranças com o olhar. Deleitando-me como um voyeur, pois já a toquei, beijei e amei durante a noite anterior e agora a observo, desfrutando de sua imagem sem máculas.
        A pouca luz que antes banhava o seu corpo agora está se findando, presa entre as nuvens nubladas que lá fora, em instantes, banhará nossa habitação.
          Os trovões começam a cantar.
       A meia luz que alumiava o quarto partiu, restam-nos, agora, sons de trovão e o escuro entre os lençóis.
       Ouço batidas lá fora. A chuva forte e furiosa joga-se contra a janela e entra sem convite por entre o vidro quebrado. Em poucos segundos, uma poça molhada começa a se formar no chão de madeira, emanando um cheiro úmido e frio. Ela busca refúgio entre os lençóis. Eu amaldiçoo a chuva. Seus olhos culpados são o que restou livre dos lençóis. Não consigo fitá-los.
          Acendo um cigarro, baforando fumaça sobre a cama que viaja até o rosto dela e é inspirado por seu nariz. Repito as baforada, criando uma ponte fluida que leva minha alma para dentro de seu corpo, regozijando novamente o prazer que senti horas atrás.
         A poça no chão tomou forma maior, transformando nossa cama numa ilha. Lembro-me então, de Ulisses preso na ilha de Ogígia com a ninfa Calipso. Mas, ao contrário do herói, eu permaneci na ilha deleitando do corpo da deusa e da imortalidade da alma.
          A chuva cessa.
          Silêncio...
          Ela se desfaz dos lençóis.
          Chama meu nome, movimentando sem som, os lábios
          Rejeito seu convite.
          Cravo meus olhos em seu corpo, redesenhando-o.
          Vejo o brando som do meu nome em seus lábios mais uma vez.
          Em seus olhos verdes, vejo a culpa.
          A luz retorna, iluminando um dos lados de seu corpo, criando uma sombra no lado oposto.      Resisto a sua estrondeante beleza.
          Apenas a observo.
          Deleito-me de sua imagem nua. Sei que é tudo que me restará quando ela sair por aquela porta de volta para meu irmão.
          E eu ficarei aqui.
          Sozinha.


 Paulo Moura nasceu em Pernambuco e, em 2012, foi finalista no VII concurso de contos do Tijuco "Whisner Fraga", com o conto Janela Quebrada. 

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